Havia esse menino de que ele gostava, com quem estudou desde o primário até o colegial. A princípio, chegou a cogitar se a sensação que vinha pairar sob seu estômago quando o via fosse mesmo um indício do amor, então lembrou-se dos momentos que passaram juntos, lembrou-se dos seus olhos, lembrou-se dos seu lábios e lembrou-se do cheiro de café que vinha do seu perfume, e admitiu que sim, estava mesmo rompendo aos poucos um pedaço de seu coração para guardá-lo ali dentro.
Não mais tardar, os dias foram passando, um após o outro, e conforme passavam, ele começou a notar as feições e os costumes do menino: seu jeito de andar, o modo como ele prendia o lápis atrás da orelha, o tilintar dos seus dentes quando ele sentia frio, cada vestígio construindo um retrato muito convincente de um garoto que ele gostaria de levar consigo pelo o resto de sua vida.
A questão, contudo, era a seguinte: sentir o que sentia o tornava doentio e/ou anormal? Acreditou que sim, pois seus pais o haviam ensinado desde pequeno o modo "correto" de se amar, mas depois lembrou-se desse menino e sentiu três palpitadas em seu coração de uma vez só (tum-tum, tum-tum, tum-tum). Não, ele não se sentia errado. Acreditava que o coração fosse mesmo traiçoeiro às vezes, mas desta vez juntou as mãos em conjunto contra o peito e lançou um olhar para o céu, e pela primeira vez em muitos anos, orou. E pela primeira vez em poucas horas, chorou.
Ah, meu Deus, ele se lembrou,
ele estava tão lindo ontem à noite.
Haviam ido ao boliche juntos na noite passada, pois o menino adorava jogar. Era muito bom nisso, ele reparara também, assim como em muitas outras coisas, e estava usando seu casaco de couro marrom que tanto lhe caía bem.
Ah, meu Deus, ele estava tão lindo ontem à noite.
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